DOM HELDER CÂMARA VIVE

A mudança de nome da rua em São Carlos São Carlos homenageia um dos mais combativos defensores dos direitos humanos na história política do Brasil, D. Helder Câmara 31/08/09 Caio Toledo Os simbolismos estão fortemente presentes em nossa existência social embora nem sempre eles sejam percebidos em nosso cotidiano. Assim, os nomes das ruas e praças, dos monumentos e de todos logradouros públicos testemunham a história, revelam os ideais e manifestam os projetos de uma cidade. Os vereadores da cidade de São Carlos certamente sabiam disso quando, no dia de 12 de maio deste ano, decidiram homenagear um dos mais combativos defensores dos direitos humanos na história política do Brasil, D. Helder Câmara. O significado desta decisão não permite qualquer interpretação ambígua; por meio dessa decisão histórica, os vereadores da cidade de São Carlos, ao mesmo tempo em que abominavam a homenagem feita a um delegado torturador, não deixavam de afirmar que São Carlos repudiava as prisões, as torturas e as mortes cometidas contra os brasileiros e as brasileiras que lutaram pela redemocratização do país durante a ditadura militar. Por meio desta decisão, a Câmara e a Prefeitura de São Carlos também afirmam que os moradores da cidade valorizam a convivência democrática e pacífica, as liberdades políticas, a solidariedade e a vida; ou seja, repudiam o arbítrio, a violência e a negação da vida humana. Ao saudarmos a lúcida iniciativa política do vereador Lineu Navarro e a atuação de Sérgio Sanchez pelo eficiente trabalho de conscientização feito junto aos moradores da rua da Vila Marina, não podemos ignorar os nomes de entidades e de pessoas que, no passado recente, também se mobilizaram para esta vitoriosa batalha simbólica e educativa. Sabemos que, anos atrás, a seção carioca do combativo Grupo Tortura Nunca Mais, numa nota pública, havia denunciado a vexatória homenagem ao delgado-torturador. Duas jovens estudantes da UFSCar, Camila Sales e Juliana Oliveira, organizaram abaixo-assinados entre seus colegas e foram até à Prefeitura e à Câmara Municipal a fim de demandar a mudança; no ano passado, o escritor Deonisio da Silva também se manifestou em programa da rádio local e pela imprensa escrita. Sabemos igualmente que os colegas Tânia Pellegrini, Amarílio Ferreira e João Roberto Martins Filho, professores da UFSCar, manifestaram também sua indignação face ao insultuoso nome da rua. Finalmente, em abril deste ano, acadêmicos de distintas universidades públicas do país – alguns deles aqui presentes, como é o caso da profa. Marly Vianna –, enviaram mensagens aos vereadores de São Carlos apoiando a iniciativa do presidente da Câmara Municipal. No dia de hoje, todos comemoramos esta vitória de inegável significado político. Sabemos que a vida dos moradores da rua da Vila Marina – bem como a dos demais residentes em São Carlos – não será transformada qualitativamente a partir da mudança do nome da rua. Mas, pelo seu simbolismo, o ato que logo mais se concretizará é, na verdade, um inestimável marco político na luta em defesa dos direitos humanos no Brasil. Do ponto de vista simbólico, não tenho dúvida em afirmar que a democracia política no Brasil sai fortalecida quando o nome de Helder Pessoa Câmara – destemido defensor dos direitos humanos –, figurar nas placas e nos guias de ruas de São Carlos. Para mim, semelhante decisão histórica deveria ser imitada pelos legislativos e prefeituras de todas as cidades do país que ainda hoje homenageiam militares e civis que – embora não tenham participado diretamente de atos que atentaram contra os direitos humanos – foram coniventes com os torturadores que agiam nos sombrios porões da ditadura. Livrando-se de ostentar o nome do brutal e sádico torturador na placa de uma rua da cidade, os amenos ares de São Carlos ficarão certamente ainda mais arejados e saudáveis para todos seus moradores e visitantes. Caio Toledo é professor de ciência política da Unicamp

Extraído: http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/a-mudanca-de-nome-da-rua-em-sao-carlos .