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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

MOVIMENTOS SOCIAIS EM MOVIMENTO

O ALTO DA (IN) FELICIDADE Lucineide Barros*
As famílias do Alto da Felicidade também tiveram o seu “11 de setembro”. Tanto o de lá como o de cá produziram cenários de guerra e de destruição. No de lá foram necessários aviões para atingir e levar abaixo um alto, moderno e luxuoso edifício onde pulsava o coração do capitalismo mundial. No de cá, um trator, para destruir casebres frágeis e baixos, onde pulsava o coração de pessoas empobrecidas ao ritmo da correria, para garantir o sustento de todos os dias.
O de lá pegou a todos de surpresa e desencadeou, na opinião publica mundial, uma sensação de insegurança e necessidade de aniquilar um dito terrorismo, grande inimigo da humanidade. O de cá, uma ação ordenada, planejada e executada às claras, cujas marcas certamente estão registradas nos ritos processuais dos poderes judiciário e executivo. Foi tão aberta e clara que os executores finais estampavam seus nomes no peito e os seus superiores, às vésperas, foram a público dizer quando e como iam proceder.
Por que o “11 de setembro” de lá gerou tanta comoção, revolta e indignação e o de cá não passa de mais um acontecimento de pouca importância? Bem, lá, como destaquei, o ataque representou uma infâmia contra o centro do poder capitalista mundial. Aqui, mais uma ação policial contra pobres e desempregados, rotulados de invasores e acusados de ameaçarem a “ordem pública”.
Mas, afinal, que ordem pública é esta, defendida a ferro, bala e fogo? Pelo que se pode observar, trata-se de uma ordem, dita pública, mas assentada em interesses privados: os interesses da velha e da nova burguesia. A velha que se apropriou criminosamente da terra rural e urbana, transformando esse domínio em poder econômico e político, agora, não mais apenas para reforçar porteiras de currais, mas também para a compra de mandatos que vão se tornando presentinho para distribuir entre filhos, irmãos e amigos...
A terra concentrada também tem servido para a perpetuação de determinados “lideranças” no poder – uma liderança que exige poder de compra. Para este tipo de poder e de liderança a concentração é um marca tão forte a ponto de ser possível juntar a expressão dos seus interesses em alto e luxuoso prédio de duas torres.
Mas a terra concentrada também tem servido a não-proprietários que, depois de ocuparem determinados cargos públicos (muitas vezes, por intermédio dos pobres, “invasores” e “baderneiros”), passaram à condição de servos fiéis dos donos do curral e em troca de não perderem o status, o carro, a casa, o gabinete e (ou) para alimentar vaidades, assumiram a condição de sentinelas da tal “ordem pública”.
Nesse caso, a referida “ordem pública” é posta em risco quando “invasores” põem em cheque a tão propalada política habitacional do governo federal, do estado e do município. Já a (des)ordem, parece dizer que não basta “Projeto Minha Casa”, “Semeando Moradia”,” Minha Casa, Minha Vida” e outros de nomes sugestivos e números animadores. Tudo isso não passa de paliativos e, também de anestesia ao movimento de moradia, se a questão fundamental não for considerada e atacada: a da concentração especulativa e lucrativa da propriedade privada.
O despejo do Alto da Felicidade, assim como tantos outros que já ocorreram, é uma declaração explicita da falta de compromisso dos governos Lula, Wellington e Silvio Mendes com a solução efetiva dos problemas habitacionais. São igualmente responsáveis pelo que ocorreu. A ordem pública da qual são guardiões, realmente foi ameaçada pelos ocupantes na medida em que as suas movimentações deslegitimaram e desmoralizaram o ” poder” de mediação do Legislativo e dos aparatos institucionais de “gerenciar” conflitos e crises; quando se rebelaram e acreditaram que poderiam permanecer no local ocupado.
Portanto, não se trata de “constrangimento”, como disse a Tenente-coronel Júlia Beatriz em declaração publicada em portal de notícias de Teresina: -“tiveram 30 dias para evitar esse constrangimento”. Se fosse apenas um constrangimento, no sentido de desagrado, descontentamento, não seria tão grave. No entanto, trata-se de uma luta longa e desigual entre pobres não-proprietários, desprovidos de poder e proprietários empoderados. Neste caso é hipocrisia esperar uma solução em 30 dias!
Assim, depois de derrubado o ultimo casebre e de “limpar” a área, a missão estará cumprida: ponto para o Judiciário que, por enquanto, assegura a supremacia da propriedade privada; ponto para o proprietário que, por enquanto, retoma o seu patrimônio-ferramenta importante para preservação do poder que lhe interessa; ponto, por enquanto, para o governo que assegura a sua política e faz o dever de casa com a classe de proprietários; ponto, por enquanto, para a polícia que restituiu a ordem (e ainda teve que enfrentar desacatos!!). E, zero, felizmente, também por enquanto, para as famílias despejadas, violentadas nos seus direitos. A luta precisa continuar!!!!
*Lucineide Barros é professora da UESPI, ISEAF, ex-presidente da Federação de Associações de Moradores e conselhos Comunitários do Piauí, doutorando na área de educação, na UNISINOS.

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