Manchetes de jornais e beques de futebol
29-Ago-2009
Se as diversas partes de um jornal correspondessem às posições do futebol antigo, as manchetes dos jornais jogariam na bequeira (hoje se diz na zaga). Naquele tempo, a função do beque era simplesmente "limpar a área": mandar a bola para fora desse espaço perigoso com um chutão.
As manchetes dos jornais (escritos, falados, televisados, telefônicos e internéticos) cumprem a mesma função para a burguesia. Entrou algo perigoso para o interesse dela na "área perigosa" da agenda política ou administrativa, uma manchete escandalosa a afasta com um "chutão".
O mecanismo baseia-se numa constatação empírica: a grande maioria das pessoas lê apenas as manchetes, tanto que é muito comum verificar que o que está escrito na manchete não corresponde ao texto da matéria. Mentir na manchete não cria os problemas que causa a matéria mentirosa.
A bequeira da burguesia está em plena ação. O perigo a ser afastado é a entrada dos índices de produtividade das fazendas na pauta administrativa. É que o Ministro do Desenvolvimento Agrário deu declarações à imprensa dizendo que logo anunciará uma tabela dos índices de produtividade, atualizados de acordo com as novas médias nacionais proporcionadas pelos dados estatísticos mais recentes.
Essa declaração não quer dizer muita coisa, porque a publicação das novas tabelas dependente também da assinatura do Ministro da Agricultura e este já deu declarações evasivas, mas inequívocas: não quer assinar a atualização.
Como o ministro do desenvolvimento agrário nem sequer pensa em dizer uma palavra sem ordem do Lula, é preciso saber por que este deu tal ordem, quando sua atual política agrícola é congelar a reforma agrária e apoiar totalmente o agronegócio.
Uma possibilidade é que a declaração do ministro seja um balão de ensaio, um "chega pra lá" na bancada ruralista, que avançou o sinal ao aprovar um projeto de lei que elimina praticamente os índices de produtividade como critérios de desapropriação de imóveis improdutivos: "Calma, companheiros! Se esticarmos a corda além de um limite, podem surgir problemas desnecessários".
O presidente está com a tabela atualizada (agora já desatualizada) em cima da mesa desde 2003, quando o ministro Roberto Rodrigues, representante do agronegócio no primeiro governo de Lula, deixou o ministro Rosseto falando sozinho ao se recusar a assinar conjuntamente a tabela que atualizaria índices baseados no Censo de 1975.
Entretanto, as manchetes dos jornais falam em aumento dos índices (e logo acrescentam: que pode prejudicar os produtores) o que constitui uma mentira deslavada. As tabelas que estão na mesa do presidente há mais de sete anos constatam apenas que atualmente a tecnologia agrícola evoluiu um pouco e a média de produtividade das fazendas elevou-se ligeiramente.
Como a Constituição determina que só podem ser desapropriadas as fazendas improdutivas, a vigência de índices mais de trinta anos defasados tem o efeito de anular a possibilidade de desapropriar qualquer fazenda para efeito de reforma agrária.
Talvez o desfecho do episódio confirme a hipótese do "balão de ensaio". Talvez não. Mas duas coisas já podem ser dadas como certas:
Leia a matéria na Integra: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3689/128/ .
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