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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

VIOLÊNCIA NO RIO DE JANEIRO

Rio virou um laboratório de técnicas genocidas
Escrito por Rodrigo Mendes
Toda a grande mídia tem dado vasto destaque nas últimas duas semanas à"escalada da violência" no Rio de Janeiro. Mas há sempre o questionamentoacerca do quanto isso chega a ser um acontecimento fora do comum.Além do mais, há pouca possibilidade de uma análise mais sóbria, que fujada idéia de que há um confronto entre as forças da lei e as forças docrime. Muitos especialistas, defensores dos direitos humanos, entidades emilitantes apontam que há complicações mais profundas na política desegurança que se acostumou a aplicar no Brasil atual.É o caso da socióloga Vera Malaguti Batista. Militante acadêmica doInstituto Carioca de Criminologia, ela defende teses muito diferentes,quando não opostas, às que estão implícitas no discurso predominante dagrande mídia, que com suas análises apenas colabora em formar um consensogeneralizado na população.
Correio da Cidadania: Como você analisa a atual política de segurançapública do Rio de Janeiro? Pode ser classificada como adequada?
Vera Malaguti: Lembrando uma polêmica que aconteceu um tempo atrás entreMarta Suplicy e Joel Rufino dos Santos: a Marta dizia que a esquerdaprecisava de uma política de segurança pública e o Joel Rufino disse quepolítica de segurança pública é coisa da direita, e que a esquerda precisamesmo é de política de Direitos Humanos. Há uma grande discussão em tornodisso, que redundou em um fracasso, no chamado ‘realismo de esquerda’, naidéia de que a esquerda tinha de praticar uma política de segurançapública mesmo sem ter derrotado o capitalismo. Acabou dando o que deu naEuropa, nos Estados Unidos. A esquerda contribuiu para a expansão dosistema prisional neoliberal; a esquerda começou a assimilar, a dar amesma resposta da mídia, e para a mídia, ao invés de desconstruir oconceito de segurança pública no sentido de lei e ordem. Contribuiu paraessa gestão criminal da pobreza, ao discurso que prega o ordenamento dosdeserdados da ordem neoliberal.Hoje, vemos um monte de sociólogo – e eu posso falar porque sou sociólogatambém – fazendo projetinho de segurança pública. É uma vergonha o queestá acontecendo no Rio de Janeiro, eu olho o jornal e não acredito naquantidade de pessoas aplaudindo essa aliança entre o governo do estado doRio e o governo federal. Eu entendo aliança eleitoral em função dagovernabilidade, sou muito compreensiva com as dificuldades degovernabilidade do governo Lula, mas tudo tem limite ético. Acho que ogoverno federal apoiar essa política de segurança truculenta do Rio deJaneiro é perder o rumo da História. São muitos equívocos, tem ministro daJustiça pedindo fim da progressão...A esquerda tem medo do lúmpen e há uma má compreensão da questão criminalpela teoria marxista. É preciso parar de contribuir com a implementação daordem neoliberal e começar a proteger os pobres do massacre.Vi um levantamento que aponta que desde o começo de 2007 houve 21 milhomicídios no Rio de Janeiro. A polícia do Rio mata, com aplausos daimprensa, da elite e de parte do mundo acadêmico e da esquerda, 1300pessoas por ano – e isso são os números oficiais!Acho que esse governo do estado do Rio de Janeiro trabalha em um tripé denegócios privados, grande mídia e segurança pública. Não tem projetos depolítica pública.
CC: Há uma ligação entre a propalada escalada da violência e a escolha doRio para sediar os Jogos Olímpicos?
VM: A mídia fala de explosão de criminalidade porque legitima essaspolíticas tenebrosas, exterminadoras, truculentas. Com a luta de classesnesse capitalismo de barbárie, a violência não aumenta só no Rio deJaneiro, é o modelo econômico que gera violência, os últimos episódiosdemonstraram: há uma visão de segurança pública baseada numa ideologiaapartadora à la Bush. Há um conflito social, apela-se para a indústriabélica e essa indústria se aquece. Isso produz o discurso jurídico doInimigo, alguém que pode ser torturado, exterminado, alguém cujas famíliasvão pagar também.Quando o secretário de segurança fala que os últimos eventos foram "nosso11 de setembro", há também uma tentativa da imprensa de esconder aqualificação desse debate, fica sempre naquele papo da "escalada deviolência".Houve um coronel, além de várias outras pessoas que entendem de polícia,que disse ser um absurdo usar helicóptero da maneira como se vem usando.Ali não tem confronto, é extermínio, homicídio. Nenhuma polícia do mundousa helicóptero daquele jeito, isso faz parte de uma ideologia de guerra,inspirada nos modelos de apartação mais questionados no mundocontemporâneo. Um sistema que produz o policial matador.Aí a elite fica espantada quando vê dois policiais passando por cima de umcara agonizando para roubar seu casaco, seu tênis. Ora, para o cara quemata cinco, que mata vinte, o que é roubar para ele? A polícia vaipunindo, torturando, roubando, saqueando.É o que acontece quando você dá todo poder à polícia, não há freiosdemocráticos. O governador disse que a polícia não tem política, pois,para ele, política é só a troca de favores, a barganha e negociação decargos.É a naturalização da morte. Isso expõe tremendamente o policial também,afeta muito a vida dele, da família dele, tem muito sofrimento. Precisamosde um grande movimento com as mães dos meninos mortos, dos policiais,contra a naturalização da morte.
CC: Há alguma chance de os problemas serem, pelo menos em parte,resolvidos até as Olimpíadas?
VM: Temos que botar pra correr quem está gerindo a cidade e o estado – eessa mentalidade dos grandes negócios esportivos, da concentração dasmultinacionais. É preciso fazer das Olimpíadas um grande projeto para opovo.Veja como foi o Pan-americano, todo dia tinha massacre no Morro do Alemão.Teve dia que chegaram a 20 mortos. E a grande pergunta tinha de ser: estãoderrotando o tráfico? Os dirigentes da segurança pública dizem que estátudo no Alemão, então aquela matança não serviu pra nada. O Pan-americanonão trouxe nada para o Rio, apenas alguns investimentos milionários, todosconcentradíssimos. Proporcionou muitas viagens para governadores,dirigentes, políticos. E o Maracanã hoje não tem mais vendedor ambulante,flanelinha... essas pessoas são presas, a pobreza é tratada como sujeira.E o Rio virou um laboratório de técnicas genocidas. Daqui até 2016,esperamos derrotar esse pessoal (que está hoje nos governos municipal eestadual).
CC: Ou seja, os conflitos vão se acirrando, a temperatura só tende a subir...
VM: Veja só, a mesma indústria que vai vender o helicóptero blindado vendea arma que derruba o helicóptero blindado. São redes econômicas. Asfavelas são punidas como um todo, mas vai sobrar para todo mundo,inclusive para os ricos. Uma elite matadora sofre com os efeitos dissotambém.
CC: Há alguma ligação ou similaridade entre a atuação das facçõescriminosas do Rio e do PCC em São Paulo e entre as políticas de segurançadessas duas cidades?
VM: Acho que não. O que há em comum, e não só no Rio e em São Paulo, masna Bahia e em outros lugares onde isso está começando, é que todas asfacções são fruto do sistema penitenciário. A mistura de crimes hediondos,a legislação do direito penal do inimigo e o neoliberalismo produziramessa loucura.Todos os grandes líderes entraram no sistema prisional por pequenosdelitos e foram se barbarizando. Cada vez que eles têm menos expectativade sair da prisão, de encontrar acolhimento, isso aumenta. A pauta daesquerda tinha de ser prender menos, amparar as redes de familiares depresos, estabelecer mais comunicação de dentro para fora da prisão, paraacabar com essa idéia de que quem está fora é o cidadão de bem – essaexpressão que a gente ouve tanto – e dentro da prisão está ‘O Mal’.É preciso romper com essa política estadunidense proibicionista dasdrogas. Não se pode trabalhar uma questão de saúde pública pela legislaçãopenal. Vários países já começaram a se desgarrar dessa política quecomeçou com o Nixon e foi ao auge com Reagan. Temos que parar de quererresolver a conflitividade através da pena, do sistema penal.
Rodrigo Mendes é jornalista.

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