Estava tudo pronto para o desfile cívico. Exército, polícia, escolas, escoteiros e o grito dos excluídos, todos preparados para seguir em cortejo. Até que chega a informação de que o grito não entraria mais após os escoteiros, como devidamente combinado em reunião com o poder municipal e demais representantes das entidades que participariam do desfile. Em uma reunião misteriosa composta apenas pelo gabinete da prefeita e a polícia, ficou decidido que o grito seria o último, ou seja, depois do exército, das polícias, dos bombeiros, dos escoteiros e de 70 escolas. A mensagem foi curta e grossa, ou o grito era o último, ou não entrava. Por que essa decisão em cima da hora? A resposta é simples: esvaziar o protesto. O grito sendo o último não haveria ninguém para vê-lo e ouvi-lo, todos já teriam ido embora, inclusive a prefeita. Essa foi a primeira “loucura municipal” do dia. A notícia causou revolta. Ora, tinha sido tudo discutido e combinado em reunião, o grito entraria depois dos escoteiros. Se quem manda é o poder autoritário do executivo, então para que reunião?
As “loucuras municipais” seguiram, foi ordenado à polícia que, caso descumprissem essa ordem autoritária oriunda do gabinete do poder municipal, deveria haver repressão policial, como foi feito. Não faltaram empurrões, chingamentos (baderneiros foi o mais leve), coturnadas, enforcamentos, ameaças de prisão (por qual crime ainda não consegui achar no código penal), gás de pimenta que machucou inclusive crianças que participavam do grito. O povo das ruas vaiava a atitude ditatorial. Era perceptível que alguns policiais não queriam fazer o que estavam fazendo, calar a voz do povo sofrido, viam que o protesto era legítimo, pois eram eles, os policiais, também do povo. Mas não faltaram aqueles que, saudosisticamente, sentiram aquela saudadezinha da ditadura militar, onde poderiam “descer a porrada na gentalha”, como foi muito ouvido durante o acontecimento, através de pronunciamentos oficiais e não oficiais da polícia. É triste ouvir das pessoas pagas para proteger o povo que “essas mundiça deveria ir toda presa”.
Chegaram a dizer que os participantes do grito estavam armados. Essa foi mais uma “loucura municipal”. Engraçado como a falta de bom senso e argumentos levam à atitudes ridículas. O grito é um movimento que acontece há quinze anos em Mossoró e toda a América Latina, evento oficial da CNBB, espaço de denúncia das exclusões sociais, de cunho Cristão e pacifista.
Incompatível qualquer atitude violenta por parte de qualquer participante do grito. Talvez quando falavam das armas se referissem à Bíblia, com a qual todos juntos rezamos e meditamos o sermão da montanha antes de entrarmos no desfile, essa sim é uma arma muito forte, pois atinge direto no coração e na consciência.
Pois bem. Seria muito mais fácil, racional e democrático ter deixado o grito desfilar e denunciar como acontece há quinze anos, mas o poder executivo optou por suas “loucuras municipais” e deu no que deu.
Aqui, neste país de Mossoró, só pode ser dito o que o poder executivo quer que seja dito, senão pimenta nos “zói”. Ter encerrado o desfile e se retirado foi algo triste para o currículo da prefeita. Por que será que ela não pode ouvir reivindicações do povo que a elegeu? Não sei responder.
Muitos, embebedados pelo egoísmo ou amarrados politicamente, reprovaram o protesto. Talvez por não ter ninguém passando fome ou qualquer outra necessidade em casa. Mas é a vida. Nem todos estão dispostos a lutar por um outro mundo possível.
Mas, apesar de tudo, o grito foi dado. O povo do Tranquilim deu seu grito por dignidade humana, pois morar em casa de taipa, sem banheiro, sem água encanada, sem energia elétrica, sem assistência médica (até a SAMU se nega a ir até lá) não da pra ficar calado. O povo do Jucurí também deu seu grito de sede, uma vez que sofre constantemente com a falta de água.
Foi ouvido também do grito dos trabalhadores rurais em terra que lutam pelo fim do latifúndio que expulsa o camponês de sua terra e degrada o meio ambiente. O grito das mulheres pelo fim da violência de gênero e desigualdade entre homens e mulheres também ecoou. O grito dos servidores municipais massacrados pelas “loucuras municipais” também foi ouvido.
Foram tantos gritos... Uns de forma coletiva, outros individuais, outros, apesar de não serem excluídos deram um exemplo de amor ao próximo e emprestaram sua voz para aqueles que não podem gritar. O importante é que, todos juntos, demos um grito por justiça que ecoou por toda a cidade.
Parabéns a todos e a todas que apoiaram o grito de forma direta ou indireta e deram esse exemplo de amor ao próximo, movimentos populares, igrejas, ONGs, sindicatos, comunidades carentes e tantos outros. Assim, do mesmo modo como no início do grito, onde fizemos uma oração, deixo aqui o trecho do sermão da montanha que nos impele a gritar cada vez mais alto: “Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus”.
Extraído: www.demoacomunicacao.blogspot.com .
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