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domingo, 9 de agosto de 2009

REFLEXÃO

Geraldo Carneiro e Salgado Maranhão criticam marasmo No Brasil dos anos 1970, escreveu a crítica Flora Süssekind, a marginalidade literária era tão prestigiosa “quanto uma tuberculose para os autores românticos”. Essa posição de heroísmo, que há três décadas espelhava um gesto crítico do autor, hoje se impõe a ele como realidade imediata e melancólica. E, se a literatura é marginal dentro da cultura brasileira, a poesia talvez ocupe sua periferia mais remota. Num país que ainda luta contra o analfabetismo, pode ser diferente? Sim, dizem os poetas Salgado Maranhão e Geraldo Carneiro (ao lado, em foto de Leonardo Aversa). Para os dois, a poesia tem seu lugar natural no centro dos debates — ao renovar a linguagem, aponta novos caminhos para a sociedade. Foi assim no romantismo, no modernismo, no concretismo, afirmam. Contra o marasmo atual (“um nada”, segundo Carneiro), os dois prepararam um manifesto intitulado “Os desmandamentos”, que será lido num grande encontro dia 10, às 21h, no Teatro Maria Clara Machado, com direito às presenças de Moisés (o ator Tonico Pereira), Oswald de Andrade e Olavo Bilac, além de poetas e atores. Numa conversa movida a garrafinhas de água mineral num bar da Urca, os dois falaram ao GLOBO sobre o que os incomoda no estado atual da poesia brasileira.
O que há de errado com a poesia brasileira?
SALGADO MARANHÃO: Estamos vivendo um momento morno da poesia carioca e brasileira. A poesia sempre comandou os debates, mas agora passamos por um momento em que ela não é relevante. Não é que não haja boa poesia, mas ela está muito pulverizada.
GERALDO CARNEIRO: Houve essa pulverização. E uma coisa pior, que talvez seja reflexo disso: com a institucionalização da mentira no Brasil, a poesia ficou sendo uma espécie de reserva ecológica da sinceridade. Perdeu um pouco o lugar. É tão desimportante quanto a reserva dos botocudos da boca do Araguaia. Uma tribo em extinção.
Essa irrelevância está ligada a uma mudança cultural ou tem a ver com o tipo de poesia que se faz?
MARANHÃO: Ela perdeu o critério de qualidade. Como instituição, o poeta não está em lugar nenhum. Não há um lugar de excelência que ele possa disputar. Como não há uma exigência, fica uma coisa de que todos são poetas e ninguém é.
CARNEIRO: Nós não queremos nos insurgir contra qualquer modelo poético. Hoje há uma falta de referências. A poesia caiu num nada, em que estamos vivendo. Por isso queremos fazer um manifesto que seja um divisor de águas na cultura brasileira. Como não estamos com essa bola toda, chamamos Moisés para ser o nosso porta voz e dizer nossos “Desmandamentos”. Como ele tem muito know how em abrir águas, esperamos que seja nosso divisor de águas e traga alguma luz para esse momento medíocre e confuso. Mas fazemos questão de não ditar um modelo. Queremos tirar da área essa banalização nefasta, a apropriação demagógica do discurso poético, e fazer com que ele, ressignificado, volte a ser a ponta de lança do debate político e poético da linguagem, que acaba refletindo na vida social e política do país. Há uma conjugação entre essas coisas que não pode se perder jamais. Quando Mallarmé falou em tornar mais puras as palavras da tribo, isso é fundamental para o exercício das coisas mais elementares da civilidade. Então, por trás do nosso manifesto, tem um desejo de fazer com que o país tenha um apreço maior pela linguagem.
MARANHÃO: Hoje no país fala-se muito, mas é uma palavra aviltada. A palavra de demagogos, ou a da concisão, da vanguarda de repartição pública, a partir de parâmetros do concretismo. O concretismo prestou um grande serviço para a poesia brasileira. Foi um momento em que a poesia estava no debate, assim como no modernismo. Até a poesia marginal também tinha esse fulgor. Mas agora chegamos nesse mar quieto, sem onda, nesse marasmo.

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