"Publicarei todo dia um texto do mestre do realismo fantastico na literatura, o prêmio Nobel e comunista José Saramago. Os textos quase todos crônicas, são originalmente do blog do escritor, http://caderno.josesaramago.org/ ."
Agosto 13, 2009
por José Saramago
Cada dia se vai tornando mais claro em todo o mundo que o problema da justiça não é da justiça, mas dos juízes. A justiça está nas leis, nos códigos, portanto deveria ser fácil aplicá-la. Bastaria saber ler, entender o que está escrito, escutar de maneira isenta as alegações do acusador e do acusado, as testemunhas, se as houver, e finalmente, em consciência, julgar.
A corrupção tem mil caras e a pior delas, neste particular, talvez seja, em qualquer sentido, a natureza da relação entre quem julga e quem é julgado. Um caso típico de perversão julgadora ocorreu muito recentemente na Guatemala onde o editor Raúl Figueroa Sarti da casa F&G Editores foi condenado a um ano de prisão comutável à razão de 25 quetzales diários e ao pagamento de uma multa de cinquenta mil quetzales, mais as custas do processo.
Qual foi o crime de Raúl Figueroa? Haver publicado, a solicitação e com o conhecimento do seu respectivo autor, Mardo Arturo Escobar, uma fotografia que veio a ser inserida em um livro editado por F&G. Desse livro foram entregues ao agora acusador alguns exemplares da obra em questão.
Aos juízes não importou nada que o próprio Mardo Escobar tivesse reconhecido que havia entregado voluntariamente uma fotografia a Raúl Figueroa, a quem deu autorização verbal para a usar numa publicação. Importou, sim, que o acusador fosse seu colega: Mardo Arturo Escobar trabalha no Quarto Juízo de Sentença Penal, sendo, portanto, companheiro de actividades de juízes, oficiais e magistrados…Mas este caso não é um simples episódio de baixa corrupção.
O acosso de que, desde há dois anos, tem sido alvo F&G Editores, enquadra-se na situação repressiva que se está vivendo na Guatemala, onde o poder oficial tem vindo a perseguir e a tentar calar as vozes discordantes, essas que, sem desânimo, continuam a denunciar as violações dos Direitos Humanos no país. Pelos vistos, tinha razão aquele já velho jogo de palavras entre Guatemala e Guatepior. Dos cidadãos guatemaltecos se espera que o inocente jogo não se transforme em triste realidade.
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