Adeus à Turquia ou a Bem x Mal?
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Folha de S. Paulo, 20.6.2010
EUA veem mundo dividido entre amigos e inimigos; é uma visão distorcida, com cada vez menos crédito
O ocidente está preocupado com a Turquia. Seus porta-vozes temem havê-la "perdido" desde que seu primeiro-ministro Recep Tayyp Erdogan se associou ao presidente Lula na proposta de intermediação entre o Ocidente e o Irã, e, em seguida, reagiu com determinação contra a interceptação violenta por parte de Israel de um barco com sua bandeira transportando manifestantes contra o bloqueio de Gaza.
A Turquia é o país mais desenvolvido do Oriente Médio. Foi um firme aliado dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, e tinha o apoio norte-americano para ser admitido na União Europeia.
Entretanto, já em 2003, quando os Estados Unidos pediram autorização para que suas tropas passassem pela Turquia para invadir o Iraque, o Parlamento turco a recusou.
O que estará havendo? Os mais apressados e os bem-pensantes lembram que o partido no governo desde 2002 é um partido islâmico, ainda que moderado e democrático, e concluem que a Turquia está mudando de "eixo" e se aliando ao "inimigo islâmico".
O primeiro-ministro e todas as autoridades turcas naturalmente rejeitam a interpretação. Erdogan afirma que apenas se inquietam "aqueles que são incapazes de compreender o novo papel da Turquia e sua política externa multilateral". Ou, em outras palavras, primeiro, é preciso saber se existe um eixo do bem e outro "do mal" como afirmou o ex-presidente George W. Bush.
Essa é a questão que países de renda média, como é o caso do Brasil e da Turquia, ou também da Índia e da Argentina, rejeitam ao elaborar sua política externa e adotar uma política multilateral.
No tempo da Guerra Fria estávamos diante de dois imperialismos, mas havia uma ameaça à sobrevivência do capitalismo e da democracia que não podia ser ignorada. Hoje, não há qualquer ameaça ao capitalismo ou à democracia. E ninguém personifica o bem ou o mal.
O mundo está dividido em países ricos nacionalistas, países de renda média nacionalistas em diversos graus, e países pobres que ainda precisam realizar sua revolução capitalista ou se modernizar.
Países nacionalistas são aqueles capazes de defender seus interesses nas arenas internacionais ao mesmo tempo em que cooperam com os demais.
Para os países de renda média não existem razões para se aliarem aos países em ricos. Pelo contrário, dado o fato de que países ricos são imperialistas mesmo sem querer, pelo simples fato de serem mais ricos e poderosos, os países de renda média precisam tomar cuidado para não se tornarem deles dependentes. A experiência mostra que só com independência um país se desenvolve plenamente.
A desastrosa experiência do México é o último exemplo dos males da dependência. Depois que se associou aos Estados Unidos e ao Canadá, o México viu sua economia quase estagnar e a corrupção e a droga tomarem conta da própria política do país.
Os Estados Unidos e alguns de seus aliados europeus ainda continuam a ver o mundo dividido entre amigos e inimigos, entre o bem e o mal. E a buscar apoio para suas políticas identificando como inimigos os países nacionalistas de renda média -a China, a Rússia, o Irã, e agora, quem sabe, a Turquia. Essa é uma visão distorcida que merece cada vez menos crédito.
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas
Globalization and Competition (Cambridge UP)
Globalização e Competição (Campus/Elsevier)
Mondialisation et Competion (La Découverte)
www.bresserpereira.org.br .
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