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terça-feira, 24 de novembro de 2009

GOVERNO VERSUS JUDÍCIARIO

ENTREVISTA - TARSO GENRO “Judiciário não pode capturar prerrogativas do Executivo”
Em entrevista à Carta Maior, o ministro da Justiça, Tarso Genro, fala sobre o caso Battisti e suas repercussões políticas. Para ele, esse debate vai além de questões técnicas sobre a extradição, envolvendo visões diferentes sobre a democracia, o Estado de Direito e a Soberania. Tarso Genro critica a tentativa de alguns juízes do STF de avançar sobre prerrogativas do Executivo e estranha o silêncio na mídia sobre os precedentes existentes no Supremo, que apóiam a decisão contrária à extradição, e também sobre outras concessões de refúgio feitas pelo Ministério da Justiça, como as dadas a dezenas de bolivianos, ligados à oposição de direita, que realizaram ações armadas contra o governo Evo Morales. Maro Aurélio Weissheimer
O debate envolvendo a situação do italiano Cesare Battisti vai além de questões técnicas envolvendo o instrumento de extradição. Na polêmica gerada pelo caso, os argumentos tratam de questões relacionadas ao atual estágio da democracia brasileira e ao Estado de Direito. Na avaliação do ministro da Justiça, Tarso Genro, esse debate é marcado por duas visões diferentes a respeito da democracia, do Estado de Direito, da Soberania e da própria crise pela qual os atuais modelos democráticos estão passando.
Em entrevista à Carta Maior, Tarso Genro fala sobre o caso e critica a tentativa de alguns juízes do Supremo Tribunal Federal de capturar a função política e a legitimidade do Poder Executivo para exercer suas prerrogativas. Além disso, analisa a qualidade do debate público sobre o tema. O ministro estranha o silêncio da maioria da mídia brasileira sobre os precedentes existentes no Supremo, que apóiam a decisão contrária à extradição, e também sobre outras concessões de refúgio feitas pelo Ministério da Justiça.
E exemplifica:“Concedemos, pelo CONARE, refúgio a dezenas de bolivianos, ligados à oposição de direita na região de Pando e de Santa Cruz, que realizaram ações armadas ilegítimas e ilegais contra o governo de Evo Morales. Após essas ações, eles ingressaram no território brasileiro. Teoricamente, eram guerrilheiros de direita. Receberam refúgio do governo brasileiro. Ninguém, mas absolutamente ninguém, da grande imprensa fez qualquer comentário sobre isso, pois este fato demonstra não só a nossa postura acolhedora em relação a pessoas que cometem delitos políticos dentro da democracia – como ocorreu na Bolívia -, como também a isenção com que o Ministério da Justiça trata esses assuntos”.
Carta Maior: Qual sua avaliação sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal no caso Battisti?
Tarso Genro: Dentro da tradição específica do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria houve duas mudanças fundamentais. A primeira delas foi a avocação, pelo Supremo, sob o pretexto de examinar um ato administrativo do Poder Executivo, de um juízo político que, em se tratando de questões de refúgio, é prerrogativa do Executivo, no caso, através do CONARE, com recurso ao Ministro da Justiça. Ao avocar esse juízo político, por uma maioria de 5 a 4, o Supremo Tribunal Federal produziu uma violação clara e frontal de um dispositivo legal. Esse dispositivo é aquele que afirma que, uma vez deferido o refúgio, interrompe-se o processo de extradição. Para dar continuidade e lógica a essa primeira decisão, teria que decidir que o presidente da República perderia os poderes contidos na Constituição de representar e decidir os destinos do país no que se refere à política externa, capturando assim, definitivamente, aquilo que é um juízo político do Executivo.Neste momento, é que o ministro Ayres Brito, com seu voto, fez o Supremo retornar ao leito da Constituição. Trata-se, na verdade, de um episódio marcante na história do direito e da democracia no país e o Ministro Ayres Brito, mais aqueles que já tinham votado com a sua posição passarão à história como exemplo de sensatez e respeitabilidade cívica. O que o STF faria com a decisão defendida dignamente pelos demais seria exercer, a partir dela, uma tutela jurídico-burocrática sobre a política do Executivo. Isso transferiria para o Poder Judiciário a legitimidade originária das urnas, que é outorgada ao presidente, para o Poder Judiciário. Isso seria muito grave, uma espécie de subsunção, por meios “suaves”, que capturaria a legitimação dada pelas urnas ao chefe de Estado, que é o presidente da República, para definir inclusive a nossa política externa.
Carta Maior: Um dos grandes debates que vem sendo travado neste caso gira em torno da caracterização dos crimes imputados a Battisti – se seriam de natureza política ou comum. Todo o debate travado na e pela mídia já tem, desde o início, uma conotação fortemente política. Essa politização do caso, expressa em notícias, artigos, declarações e editoriais, não reforça a caracterização do mesmo como um problema político e não uma questão envolvendo um crime comum? Uma segunda pergunta, derivada desta primeira, é sobre o comportamento da mídia brasileira no episódio. Qual sua opinião sobre essa atuação?
Tarso Genro: A posição majoritária da mídia teve três momentos. O primeiro foi marcado por um esforço gigantesco para descaracterizar a qualidade jurídica do meu despacho, dizendo que se tratava de uma pessoa que não era um jurista e que, portanto, não poderia ter interpretado corretamente a situação criada com o pedido de refúgio do sr. Battisti. Trata-se de uma posição bastante conhecida nos meios acadêmicos do país: juristas são aqueles que relativizam a Constituição para atender os interesses do “mercado” e não aqueles que defendem a Constituição a partir da predominância dos direitos fundamentais. O segundo movimento foi tentar criar aquilo que se chama, do ponto de vista da filosofia heidegeriana, uma pré-compreensão. Uma pré-compreensão na sociedade para influir sobre o Supremo Tribunal Federal, dizendo, em primeiro lugar, que estava provado que Battisti matou; em segundo, que sempre foi e é um assassino e, em terceiro lugar, é um assassino terrorista e, conseqüentemente, não participou de uma ação política e sim de um ou dois assassinatos comuns. Eu sempre digo para as pessoas que me cercam que se eu fosse uma pessoa que não conhecesse o processo e considerasse apenas as informações veiculadas por setores da grande imprensa, também votaria pela extradição do sr. Battisti, pois elas estão orientadas apenas por um juízo sobre o tema.O terceiro grande movimento foi tentar incidir diretamente sobre a posição do STF, estimulando a retirada do juízo político da esfera da presidência, e capturando, pelo Supremo, inclusive decisões sobre a política externa do país. Uma decisão como esta abriria um precedente que extinguiria todos os limites para essa captura de juízos políticos próprios do Executivo pelo Supremo.Esta seqüência de posições tem um caráter nitidamente ideológico e acabou desmascarada, na minha opinião, por dois fatos fundamentais. Primeiro, porque pelo menos uma parte da cidadania ficou sabendo que havia dezenas de precedentes que confortavam a minha decisão e não a posição que alguns juízes do Supremo estavam tentando tomar. O segundo fato ficou expresso no próprio voto do ministro Gilmar Mendes. Ele teve a honestidade intelectual suficiente para dizer que os objetivos que a organização de Battisti perseguia eram objetivos políticos, mas que o delito cometido na busca desses objetivos era um delito comum. Portanto, ele faz uma cisão, não somente do processo histórico em que a Itália estava imersa naquele momento, mas também uma cisão impossível de ser feita racionalmente, do fato que estava sendo julgado naquele momento. Se era verdade que Battisti teria cometido um homicídio, também era verdade que se tratava de um delito cometido no interior de um processo político, o que caracterizaria, de maneira suficiente, o delito político e não o comum. Aliás, como havia sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em outras ocasiões. Lembrem-se que estas mesmas posições sobre o direito e a Constituição são defendidas por aqueles que afirmam que, quem matou na tortura, aqui no Brasil, está anistiado.Não bastassem todas essas questões também circulou pela mídia uma informação solerte e mentirosa do ponto de vista histórico e em relação ao próprio fato. Isso foi trabalhado em vários editoriais e em várias informações paralelas. Consiste em dizer que não existe crime político dentro da democracia. Esse conceito remete a um outro, a saber, que só pode existir crime político dentro de um regime ditatorial. A visão correta, humanista, moderna e democrática é exatamente a contrária. O que ocorre em atos de resistência contra uma ditadura não é um crime, mas sim o direito universal de resistência contra o arbítrio e contra o poder ditatorial. Portanto, isso não é um ato que possa ser tipificado. O crime político dá-se ou em regimes de transição para uma democracia, ou na democracia. Aí é que o tipo pode ser qualificado como criminoso, de natureza política ou não, dependendo do caso. Neste sentido, acho que esse debate que está sendo travado em torno do caso Battisti é exemplar. Na minha opinião, não há certamente nenhum tipo de conspiração. O que há são duas visões a respeito da democracia, do Estado de Direito, da Soberania e da própria crise pela qual os atuais modelos democráticos estão passando, impotentes para realizar uma coesão social mínima de novo tipo, que ocorreu historicamente num pequeno período da social-democracia.
Leia a matéria na Integra aqui:

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