Era um velho homem amargo
e em grande parte de sua vida ele foi assim.
Não se lembra quando foi que a vida
o transformou nisso.
Desde então, tem sido
uma constante batalha.
Ele sabia que não poderia vencer,
mas seguiu lutando.
Contra ele.
Ele já era um velho homem cansado.
E agora esse velho homem, amargo e cansado,
se vê prostrado em frente a uma lápide.
Sua lápide.
Tentava imaginar
o que nela escreveria.
Passou-lhe pela cabeça
as noites em que gritou
com medo de que
ninguém estivesse
escutando.
Escutavam,
mas não
ouviam.
Dizem que temos
uma boca, dois olhos e dois ouvidos
para ouvirmos mais, vermos mais,
falarmos menos.
Mas ele tinha duas mãos.
Por isso escrevia mais
do que falava.
Mas andava bloqueado para escrever.
A lápide em sua frente em branco
e em branco ela permanecia.
Talvez o cansaço o bloqueou.
Andava cansado.
Fisicamente cansado.
Moralmente estafado.
Emocionalmente devastado.
O peso do mundo nas costas
é muito melhor quando sentido
apenas filosoficamente
e literariamente.
Quando cai pro fisicamente,
perde a graça.
“Qual valor de uma única lágrima?”,
ponderava ele, ao sentir
a chuva que começava a cercá-lo.
Imaginou que os deuses
também estivessem chorando.
Quanto peso as lágrimas
conseguem levar cada vez que caem
dos olhos que insistem
em ver a realidade
exposta tal como vísceras
navalhadas?
Ali estava ele, prestes a ter paz.
E bloqueado. E cansado. E amargo.
Acreditou que o cansaço
pudesse ser da busca por
um pouco de paz.
Mas buscar paz
é utópico demais.
Buscar a paz é preparar-se
para uma guerra constante.
Seja a busca pela paz
seja a busca pela felicidade.
Felicidade é como mijar
em banheiro público:
se você quer usar,
apenas tenha cuidado
para não respingar essa porra
no vizinho.
E ele tinha as pernas
respingadas de lama
causada pela chuva
que encharcava a terra
que o cobriria em breve.
Lá estava ele,
um velho amargo e cansado
e bloqueado e molhado.
E sozinho.
Ninguém compareceria
à estréia de sua lápide e
logo pensou em deixá-la
assim, vazia.
“Fique sem procurar
as pessoas por um tempo
e se assustará com a
quantidade de falta
que você não faz a elas”,
sussurrou enquanto
olhava para seu reflexo
distorcido na poça de água
acumulada pela chuva
em cima de sua morada eterna.
Tomou um carvão úmido
de um braseiro ao lado,
apagado pelas lágrima,
ajoelhou-se com dificuldade
e empunhou aquele
toco preto molhado
como quem entrega numa bandeja
a alma queimada por chamas
acesas por outros.
E ali ele a entregou.
Levantou-se num último fôlego
e disse, ao passar por mim,
que o assistia de longe:
“São tempos enviados para testar você.
Se há algo errado com o que vê,
tome todas as dores para si.
Auto-piedade não é
boa companhia.
Miséria, sim.
Prepara-se para morrer
cheio de arrependimentos
e vazio de certezas.
Acostuma-te ao fato
de que nunca irá ver
aquilo que você poderia ter sido.
O que sentia não sentirá mais.
O que sabia não saberá mais.
Eu já não me importo mais.”
Limpou a pigarro da garganta,
deu-me seu chapéu e se afastou.
Fui até sua lápide, mas não pude ler
o que tinha ele havia escrito.
A chuva lavou o carvão.
Comecei a pensar
no que escreveria na minha.
Ajoelhado, botei o chapéu
e sussurrei à poça que me refletia:
“Esse velho maldito
sou eu.”
E o filho da puta ria
ao me observar de longe.
FELIPE VOIGT
http://www.questaodeordem.blogspot.com/
Eu li!
Há uma semana
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