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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

FRANK ZAPPA E O IRÃ

A culpada é a música. Music is the best! Escrito por Cassiano Terra Rodrigues 03-Fev-2011 Information is not knowledge. Knowledge is not wisdom. Wisdom is not truth. Truth is not beauty. Beauty is not love. Love is not music. Music is the best... Frank Zappa, 1979. Em 1979, a Revolução Islâmica no Irã impôs uma férrea censura ao rock e a outras formas da "cultura decadente do Ocidente". O belo Persépolis (dir. Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud, França, 2007) traz uma cena que alude a tal fato: http://www.youtube.com/watch?v=d1LPToZPf5c Belo, mas não ingênuo: além da sugestão de que intolerância, moralismo e hipocrisia sempre andam juntas contra a juventude, o observador deve notar a ligação entre a música, a rebeldia da jovem contra sua situação e as animações de guerra do filme. O que essas imagens sugerem? No mesmo 1979, Frank Zappa, inspirado pelos mesmos acontecimentos, lançou seu Joe’s Garage, cujo prólogo trazia as seguintes palavras: "Nerds desesperados nos altos escritórios no mundo todo ficaram conhecidos por editarem as mais nojentas peças de legislação para ganhar votos (ou, em lugares onde não se vota, para controlar formas indesejadas de comportamento das massas). Leis ambientais não foram aprovadas para proteger nosso ar e nossa água... foram aprovadas para conseguir votos. Campanhas periódicas contra a obscenidade não são conduzidas para livrar nossas comunidades da corrupção moral... são conduzidas para dar uma aura de santidade aos burocratas profissionais que as exigem. Se umas poucas frases-chave são jogadas em qualquer discurso (conforme explicam a esses vários chefes de estado os conselheiros especialistas), votos vão entrar às pencas, o dinheiro vai entrar, e, o mais importante, o poder será mantido pelo cara (ou pela moça) legal que conseguir a maior cobertura da mídia para sua sordidez. Naturalmente, seus amigos e amigas em vários negócios também vão ficar bem. Todos os governos se perpetuam pela comissão diária de decretos que uma pessoa racional talvez ache burra ou perigosa (ou ambas as coisas). Naturalmente, nosso governo não é exceção... por exemplo, se o presidente (qualquer um deles) fosse para a TV e sentasse lá com a bandeira no cenário de fundo (ou talvez numa cena rústica em um pequeno cenário, mais a bandeira) e olhasse sinceramente para a câmera e contasse a todos que a causa de todos os problemas de energia e de todos os problema inflacionários foi identificada e poderia ser extirpada com a abolição da MÚSICA, é provável que a maioria das pessoas viesse a acreditar nele e a pensar que a ilegalização dessa forma irritante de poluição sonora seria um preço bem pequeno a pagar pela chance de comprar gasolina como nos velhos tempos. De jeito nenhum? Nunca aconteceria? Fazem-se discos com petróleo. Todos aqueles grandes concertos de rock viajam de uma cidade a outra em imensos caminhos de 20 metros, perdulários de combustível... e quando chegam ao seu destino, gastam enormes quantias de energia elétrica com suas luzes, seus amplificadores, seus sistemas de som... suas máquinas de fumaça. E todos aqueles sintetizadores... olha só quanto plástico tem ali... e as palhetas das guitarras... as escolhas são ao gosto do freguês...". As palavras de Zappa são certeiras: em 1979, ano da Revolução Islâmica no Irã e também da segunda crise do Petróleo, o clima de insegurança, descontentamento, perdas econômicas e revolta social tinha de ser controlado antes da eleição que, em 1980, viria a eleger Ronald Reagan o 40º presidente dos Estados Unidos da América, derrotando seu antecessor Jimmy Carter. Também na Inglaterra, após longo período enfrentando dificuldades por causa da primeira crise do petróleo, de 1973, os conservadores ganharam novo ímpeto com a eleição de Margareth Thatcher, primeira mulher a ser Primeira Ministra do Reino da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, cargo que ocupou até 1990. As vitórias eleitorais da dupla Reagan-Thatcher consolidaram a virada neo-conservadora, com muitos pontos ideológicos em comum, apesar das diferenças, nos dois países: aversão à contracultura dos anos de 1960, recusa de princípios socialistas e também de liberais-socialistas, e, sob a influência da filosofia de Leo Strauss, ascensão de uma ideologia legalista e autoritária, embora não abertamente ditatorial. Para Strauss, o maior problema com todas as formas de historicismo é o relativismo moral: as massas não são capazes de enfrentar a ausência de uma verdade moral absoluta, e, por isso, acabam inevitavelmente incorrendo em alguma forma de anarquia ou niilismo, como o Nazismo, por exemplo. Portanto, é necessário que os governantes as poupem de tal fardo. Mas, conseguem os governantes absorver o impacto dessa constatação negativa? Sim, porque, para Strauss, deve governar uma elite formada por aqueles poucos que compreendem a falta de moralidade e tomam ciência, como que por revelação, da existência de um único direito natural, o qual seja, o direito do superior governar o inferior. E, apesar de defender que a filosofia começa com uma socrática espécie busca pela verdade, Strauss reitera hodiernamente o argumento sofista da justiça e das leis como expressão da conveniência do mais forte. A instrumentalização política do engano, da religião e do nacionalismo, portanto, é escusada, em nome do ideal maior de união (ou, ao menos, normatização) política, já que é duvidoso que qualquer filosofia secular consiga, sozinha, vindicar uma moralidade universal fora dos limites de uma sociedade ou comunidade política fechada. Voltemos à crise do petróleo de 1979 e ao governo de Carter; a respeito, afirma o historiador Howard Zinn: "Fazia parte do ‘plano de energia’ de Carter acabar com o controle de preços de gás natural ao consumidor. O maior produtor de gás natural era a Exxon Corporation e os maiores blocos de ações privadas da Exxon eram de propriedade da família Rockefeller. Já no começo da administração Carter, a Federal Energy Administration descobriu que a Gulf Oil Corporation havia sobrefaturado em 79,1 milhões de dólares seus custos com óleo cru obtido de filais estrangeiras, passando esses custos falsos aos consumidores. No verão de 1978, a administração federal anunciou que ‘um compromisso’ fora feito com a Gulf, a qual concordara em estornar 42,2 milhões. A corporação informou a seus acionistas que ‘os reembolsos não terão efeito sobre os ganhos, uma vez que a provisão adequada já foi feita em anos anteriores’. O advogado do Departamento de Energia que fez a mediação com a Gulf disse que o compromisso fora firmado para evitar um longo e custoso processo judicial. Será que esse processo teria custado os 36,9 milhões esquecidos do compromisso? Será que o governo teria considerado a ideia de deixar um ladrão de bancos solto em troca da devolução de metade do roubo? O firmado foi um exemplo perfeito daquilo que Carter já dissera numa reunião de advogados durante sua campanha presidencial – que a lei estava do lado dos ricos. [...] Em 1979, enquanto os pobres assumiam os cortes, o salário do diretor-executivo da Exxon Oil foi aumentado para 830 mil dólares por ano, e o de diretor-executivo da Mobil Oil, para mais de 1 milhão de dólares por ano. Nesse ano, enquanto o lucro bruto da Exxon aumentou em 56 por cento, para mais de 4 bilhões de dólares, três mil pequenos postos de gasolina independentes fecharam as portas". Mas o que isso tudo tem a ver com a música e juventude? Com a palavra, Marilyn Manson: http://www.youtube.com/watch?v=cYApo2d8o_A Essa é uma sequência de Tiros em Columbine (E.U.A., 2002), documentário de Michael Moore sobre um massacre escolar, ocorrido em 20 de abril de 1999, em Columbine, no estado do Colorado, E.U.A.: dois estudantes adolescentes, Eric Harris e Dylan Klebold, assassinaram a tiros 12 estudantes, uma professora, feriram outras 21 pessoas e cometeram suicídio em seguida. Desde então, inúmeras referências ao massacre apareceram em diversas manifestações culturais: letras de música, livros, filmes, desenhos animados, vídeo-games etc., etc., etc. Um bom exemplo é o filme de Gus Van Sant, Elefante (E.U.A., 2003). Ainda que não dê palavra ou câmera diretamente aos adolescentes, pois se trata de ficção, o filme apresenta muitas perspectivas em conformidade com as palavras de Marilyn Manson, às quais preferimos não impor conclusões. Que o leitor tire suas próprias. Cordiais saudações. * * * REFERÊNCIAS: Joe’s Garage, de Frank Zappa, é, na verdade, uma "ópera-rock" em três atos, com muita ironia, inteligência política e virtuosismo musical, marcas características de seu autor. O pensamento de Leo Strauss é muito mais complexo e intricado do que se pode aqui expor; seu livro mais famoso é Direito Natural e História, publicado em 1953, nos E.U.A. Os trechos de Howard Zinn foram retirados de seu A People’s History of the United States, disponível integralmente na Internet, em http://www.historyisaweapon.com/zinnapeopleshistory.html. 2011: O ano começa com muita movimentação cinematográfica: em São Paulo, de 11 a 20 de fevereiro, acontece o SP LESTE EM MOVIMENTO: FESTIVAL DE CINEMA DA ZONA LESTE DE SÃO PAULO, no CEU Quinta do Sol (http://festcinespleste.com.br/site/); e de 14 a 20 de fevereiro, em 22 cidades brasileiras, o 3º FESTIVAL DO JÚRI POPULAR (http://www.festivaldojuripopular.com.br/2011/index.html). Cassiano Terra Rodrigues é professor de Filosofia na PUC-SP e prefere as máscaras de carnaval, daquelas usadas nos bailes de antigamente, ao som das marchinhas, a esconder descomposturas de salão...

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