Entrevista do ministro da Justiça, Tarso Genro, à TV Estadão
13/01/2009
- Ministro, qual foi a sua motivação nesse caso?
São várias motivações. Na época em que ocorreram esses fatos, na Itália dos anos 60, havia um ambiente de selvageria política relacionada a grupos de ação direta contra o Estado italiano. O fato é que ocorreram naquela época uma série de modificações legais e legítimas para combater o surto de violência revolucionária na Itália. O próprio Estado italiano reconhece nos documentos que enviou ao Brasil, que os processo contra Battisti tinham caráter político. O hoje senador Francisco Cossiga, que era ministro naquela época e comandou a reforma da legislação penal, reconheceu isso em carta enviada a Battisti, imputando a ele ações subversivas de caráter político, embora antidemocráticas e afrontosas ao Estado de Direito italiano. Battisti foi reconhecido por um Estado soberano, no caso a França, como refugiado político. Morou na França 11 anos, beneficiado pela Doutrina Miterrand, que era presidente naquela oportunidade. E por fim também pesou, embora isso não seja o contexto concreto que me obrigou a tomar uma decisão, o fato de que estou convencido de que ele não teve direito a ampla defesa, que é um elemento da Constituição do nosso país para concessão de asilo. Até porque, não por culpa do Estado italiano, que é um Estado Democrático de Direito, mas em função do clima da época, que permitiu que ele não fosse senão um revel no processo. Ou seja, que ele não se apresentasse no processo daquelas ações de violência e também de retalhamento que ocorriam naquele período. Isso me levou à conclusão, dentro da tradição do Direito brasileiro, analisando o caso de Stroessner, o caso de Oviedo, que não são pessoas que pediram refúgio em função de sua condição de esquerdista, e também das decisões do Supremo Tribunal Federal em casos parecidos com esse.
- O Batistti é um militante de ultra-esquerda, participou de um grupo envolvido em ações armadas na Itália e o senhor tem uma tradição política de esquerda. Já há críticas no campo da oposição de que essa é uma decisão com motivação política porque ela obviamente rejeita essa associação.
É natural que a oposição faça essa ilação, porque a principal função da oposição em um país democrático é lançar dúvidas sobre as ações do governo. Mas aí teria que lançar dúvidas também sobre se na época em que foi dado o asilo a Stroessner, se a pessoa que deu esse asilo tinha o mesmo grau de ideologia do presidente Stroessner. Ou de que o Supremo Tribunal Federal, que não permitiu a extradição de pessoas que eram acusadas de brigadistas, tem algum tipo de preferência pelas Brigadas Vermelhas. Eu encaro com naturalidade essa acusação. Sei que ela não é uma acusação fundada juridicamente e nem séria politicamente. Mas é um dever da oposição criticar os atos do governo e eu recebo inclusive com respeito.
- O senhor diria que é o caso mais polêmico de pedido de refúgio que chegou às suas mãos?
Eu acho que é, porque é um caso que causou comoções internacionais. Houve atrito entre a França e a Itália, no momento em que se aplicou a Doutrina Miterrand. Relações, mais tarde, de articulação, de cumplicidade entre a Itália e a França, quando o presidente Chirac assumiu o governo. Existe ainda um movimento internacional da intelectualidade, não só da intelectualidade da esquerda, mas de protagonistas políticos, escritores e intelectuais, que pediam pelo estatuto de refugiado a Batistti. Isso gerou uma grande comoção internacional, o que é normal. Eu acho inclusive que sobre esse fato deve se fazer um amplo debate no país. Um país como o nosso, que está consolidando seu Estado Democrático de Direito, tem de debater profundamente essas questões, para inclusive aperfeiçoar esse Estado Democrático de Direto que todos nós estamos construindo.
- O governo italiano anuncia um possível recurso diretamente ao presidente Lula. Qual é a posição do presidente Lula em relação a esse caso?
O presidente Lula, como não tinha, no fato concreto da legislação que trata da concessão de asilo, jurisdição sobre o assunto, não manifestou a sua opinião. Eu comuniquei a ele, como é meu dever como seu ministro, da decisão que eu iria tomar, assim como comuniquei ao embaixador italiano. O presidente me perguntou se a minha decisão estava bem fundamentada juridicamente perante a ordem constitucional brasileira. Eu disse que sim. Ele disse “olha, isso é um ato de responsabilidade sua e eu respeito na condição de meu ministro da Justiça.”. Mas não manifestou nenhum juízo de valor sobre o assunto, até porque não era nem função nem dever do presidente fazer isso naquele momento.
Leia a entrevista na Integra: http://leituraglobal.com/602/ .
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